A DESCARACTERIZAÇÃO DO AGENTE INFILTRADO
Por: Klayton Topor
Frente a explosão da criminalidade organizada e do tráfico de drogas no Brasil, e no mundo, o legislador, na tentativa de desmantelar a prática desse tipo de crime, regulamentou técnicas específicas para persecução criminal, trazendo a figura do agente infiltrado, dentre outros meios de obtenção de prova.
O Brasil manifestou-se pela primeira vez sobre a possibilidade de infiltração de agentes nas associações criminosas na Lei n. 10.217/01, que a inseriu na Lei n. 9.034/95, posteriormente houve previsão nas Leis ns. 10.409/02 e 11.343/06 e agora na Lei n. 12.850/13.
A lei 11.343/2006 – Lei de Drogas – tem por objetivo a prevenção do uso indevido e repressão a produção não autorizada e ao tráfico ilícito de entorpecentes. Para tanto, prevê um rito especial para o processamento e julgamento desses crimes, trazendo algumas peculiaridades em relação ao rito comum ordinário. Além disso, a Lei regulamenta, no seu art. 53, que, na fase pré-processual, poderão ser adotadas algumas técnicas investigatórias como a infiltração por agentes policiais, a não atuação policial – flagrante retardado -, mediante decisão judicial fundamentada com o devido conhecimento do itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.
Contudo, se deve observar sempre o caráter de excepcionalidade na utilização de agente infiltrado nas investigações criminais, podendo-se apenas empregá-lo para a investigação de provas que envolvam, especificamente, crime organizado. Não se pode, em hipótese alguma, admitir que a utilização de agente infiltrado se torne um comportamento normal em investigação criminal.
No entanto, frente a tentativa desesperada em reduzir a criminalidade e responder aos reclames de uma sociedade insegura, vemos um Judiciário admitindo, de forma generalizada, o emprego do “agente infiltrado” como mero processo de facilitar as ações de investigação e/ou de prevenção criminal, principalmente nos crimes de tráfico de drogas, autorizando que agentes policiais se disfarcem de usuários para adquirirem o entorpecente dos investigados.[1]
Contudo, tal entendimento vai de encontro com a principal a característica desse instituto. Veja-se que o agente infiltrado, para a doutrina brasileira, é aquele agente policial, que tem sua identidade ou qualidade não reveladas ou alteradas pelo Estado, e com o fim de obter provas, ingressa em uma organização criminosa, simulando a condição de integrante, mantendo-se a par dos acontecimentos, acompanhando a execução dos fatos, praticando, inclusive, atos de execução, se necessário for, para conseguir a informação necessária ao fim a que se propõe.[1] (GIACOMOLLI, 2011, p. 130)
Cumpre referir que a sua integração à organização criminosa, objeto da investigação, pode ocorrer em qualquer dos seus níveis, indubitavelmente quanto mais alto for o nível alcançado, mais relevantes serão as informações obtidas pelo agente. (EDWARDS, 1996, p.78)
O agente, uma vez infiltrado, tem como objetivo concentrar-se na identificação, neutralização e destruição da organização criminosa, da mesma forma que busca a obtenção de elementos de prova que podem vir a ser úteis em eventual persecução penal contra seus integrantes. (PACHECO, 2008, p. 108)
O emprego da “infiltração” esbarra em problemas de três ordens distintas: ética, jurídica e operacional. Contudo, diante da riqueza do tema e a impossibilidade de esgotá-lo neste trabalho, nos dedicaremos a uma sucinta explanação acerca de alguns aspectos jurídicos do instituto.
Importante que não se confunda o instituto do agente infiltrado com o do provocador e o encoberto, o que acontece comumente.
O agente provocador é aquele que, ao ganhar a confiança do criminoso, mediante uso de algum ardil, o instiga ou o convence a praticar um crime não querendo o crime a si, e, sim, pretendendo submeter esse outrem a um processo penal e, em último caso, a uma pena. (MEIREIS, 1999, p. 155) É o que comumente se verifica nas prisões em “flagrante” de “traficantes” de droga, que são levados a comercializá-las à um agente de identidade oculta a serviço da polícia.
Em que pese o entendimento majoritário de nossos Tribunais no sentido de que a conduta praticada por esse agente não caracteriza o flagrante preparado, não havendo que se falar em crime impossível, se deve observar que na grande maioria dos casos, o induzido é apenas um usuário, que devido a pressão sofrida pelo agente provocador, pratica o ilícito.
Na verdade, esse método que tem como eixo central um expediente manipulador astucioso, é condenável e ilegal, colocando o Estado e o suposto criminoso em um mesmo nível de ilicitude, uma vez que “actua contrariamente aos princípios e às normas próprias de um Estado de direito democrático e inerentes a um processo penal de estrutura acusatória temperado pelo princípio da investigação”. (VALENTE, 2001, p. 32)
O agente encoberto, “disfarçadamente (policial à paisana, por exemplo), frequenta os ambientes onde são planejados os delitos ou com eles relacionados, com a finalidade de desvendá-los.” (GIACOMOLLI, 2011, p. 138) Trata-se de agente que colhe informações, investiga o modus operandi do criminoso, como um observador, em muitos casos utilizando-se de filmagens, fotografias, intercepções de comunicação, mas tudo com autorização judicial.
A diferença entre os agentes esta na vontade e na conduta: o infiltrado não induz à uma prática delitiva e sua conduta pode ser ativa ou passiva; o provocador é manipulador, pois induz à uma prática delitiva e possui conduta ativa; o encoberto é um observador da conduta criminosa e sua conduta é passiva. (ONETO, 2005, p. 150)
O que se observa, é que nos últimos anos, a sociedade brasileira vem assistindo, perplexa, a mudanças nos métodos de execução dos crimes e nos de repressão dos mesmos. Neste cenário criminológico e político-criminal, a agressividade do crime organizado, somadas as tentativas Estatais – urgentes e desenfreadas – para combatê-las comprometem valores, princípios e garantias constitucionais, inerentes ao um Estado Democrático de Direito.
Como referido no início desse ensaio, se deve observar a excepcionalidade da infiltração de agente, não devendo esse método investigativo tornar-se banalizado.
Contudo, o que vemos comumente é a pratica da descaracterização da modalidade do agente infiltrado, através de um procedimento policial não previsto no ordenamento processual penal, consistente em colocar o agente infiltrado, atuando como agente provocador.
O agente infiltrado, enquanto imerso na organização criminosa, limita-se à mera observação das atividades desta, participando, apenas quando necessário, de atividades delituosas que já se encontravam em curso quando do seu ingresso, mas em hipótese alguma pode instigar, provocar ou incentivar a prática criminosa. De tal sorte, que a conduta do agente ao induzir o suspeito à prática de atos ilícitos, instigando-o e alimentando o crime, agindo, nomeadamente, como comprador ou fornecedor de bens ou serviços ilícitos, é totalmente inaceitável no âmbito jurídico.
Essa conduta de agente provocador, embora aceita pelos Tribunais brasileiros, não pode ser confundida com a do agente infiltrado. E, no nosso entender há nítida ilicitude das provas obtidas em razão de sua desconformidade com a Lei ou a Carta Magna, e, logo não poderão ser utilizadas no processo.
Por tal razão, não se deve admitir uma decisão condenatória apoiada exclusivamente em elementos probatórios obtidos através desse método investigativo. Assim como não se pode aceitar decisão condenatória cujo único fundamento é a declaração testemunhal de agente infiltrado. É necessário, que existam outros elementos probatórios a dar amparo à sentença condenatória.
Com efeito, diante da hipótese fática de requerimento para autorização de uma operação por meio do agente infiltrado, deve o juiz, à luz dos princípios constitucionais, em primeiro lugar, verificar se há indícios suficientes de autoria e de materialidade, não de um delito qualquer, mas daquele determinado por lei como suscetível de sofrer a medida; em segundo, lugar, verificar se a medida em questão é suficientemente idônea para se alcançar os objetivos propostos com a investigação; e, em terceiro, verificar se a medida aparece como necessária para essa finalidade, isto é, se nenhum outro meio menos gravoso possa alcançar a mesma finalidade. (FELIX, 2012, p.415)
[1] HC n. 70062172523, Rel. Des. José Antônio Cidade Pitrez, 2.ª Câmara Criminal do TJRS; HC n. 70058884941, Rel. Des. Marco Aurélio de Oliveira Canosa, 2.ª Câmara Criminal do TJRS.
[1] Importante lição de Giacomolli ao afirma que “trata-se de mais um procedimento introduzido na fase investigatória, demonstrativo da ineficácia do Estado em apurar a criminalidade mais sofisticada, potencializador do segredo no processo penal, na falta de seriedade e transparência do atuar oficial”. O autor é incisivo ao dizer que “a autorização estatal para que o agente infiltrado pratique delitos oficializa o agir criminoso do Estado, produzindo uma erosão na atuação conforme as diretrizes democráticas e republicanas (art. 1, III, CF)”. (GIACOMOLLI, 2011, p. 130.)
EDWARDS, Carlos Enrique. El arrepentido, el agente encubierto y La entrega vigilada. Modificación a la ley de estupefacientes. Análisis de la ley 24.424. Buenos Aires: Ad-Hoc. 1996.
FELIX, Yuri. O agente infiltrado no combate à criminalidade organizada. Revista dos Tribunais, ano 101, vol. 923, p. 407-430, setembro/2012.
GIACOMOLLI, Nereu José. A fase preliminar do processo penal: crises, misérias e novas metodologias investigatórias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
MEIREIS, Manuel Augusto Alves. O regime das provas obtidas pelo agente provocador em processo penal. Coimbra: Almedina, 1999.
ONETO, Isabel. O agente infiltrado: contributo para a compreensão do regime jurídico das ações encobertas. Coimbra: Coimbra, 2005.
PACHECO, Rafael. Crime organizado – medidas de controle e infiltração policial. Curitiba: Juruá, 2008.
VALENTE, Manuel Monteiro Guedes; ALVES, Manuel João; GONÇALVES, Fernando. O novo regime jurídico do agente infiltrado. Coimbra: Almedina, 2001.
Obs.: artigo escrito em 2015
PARA QUE SERVE A RESPOSTA À ACUSAÇÃO?
Por: Klayton Topor
Ao longo da história, o Código de Processo Penal brasileiro vem sofrendo diversas alterações legislativas, e apesar dessas modificações, nosso vetusto Código ainda apresenta inúmeras inconsistências e incoerências na sistemática processual penal.
As últimas tentativas de alterações e modernizações do Código de Processo Penal resultaram em expectativas frustradas, haja vista que o resultado prático de sua aplicação, que depende da contribuição dos operadores do Direito, não alcançou o objetivo almejado.
Analisando-se uma das últimas reformas pontuais, onde profundas alterações foram sentidas na parte dos procedimentos do processo penal, mas que resultaram em uma grande problemática, foi a trazida pela Lei n. 11.719/08. Neste sentido, segundo Giacomolli, “resulta evidente a deformação ritualística do processo penal (degeneração das formas), gerada pelo legislador de 2008 e pela azáfama de pronta votação dos denominados “projetos setoriais”[1].
Logo após a entrada em vigor da referida Lei, surgiram problemas em relação a lógica dos atos processuais, no caos estabelecido nos artigos 394 a 536 do Código de Processo Penal. Daí surgiram indagações como, por exemplo, qual efetivamente é o momento do recebimento da denúncia (artigo 396 ou artigo 399 do Código de Processo Penal)?[2] Aplica-se subsidiariamente o rito comum aos procedimentos especiais (artigo 394, §2 do Código de Processo Penal)? Sim, mas o ordinário, o sumário ou o sumaríssimo, ou qualquer um deles? Há alguma diferença entre as hipóteses de rejeição da denúncia (artigo 395 do Código de Processo Penal) e as da absolvição sumária (artigo 397 do Código de Processo Penal)?
Por todas essas incoerências a jurisprudência teve que se posicionar e estabelecer um critério mínimo de interpretação que trouxesse segurança jurídica para os jurisdicionados. Assim, temos o atual o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o recebimento da denúncia ocorre antes da apresentação da resposta à acusação, no momento definido no artigo 396 do Código de Processo Penal.[3] No que se refere ao §2º do artigo 394 do referido diploma legal, havendo procedimento especial no Código ou em Lei esparsa, afasta-se o comum. E, na ausência de previsão de rito especial, se aplica o procedimento de acordo com a pena aplicada, nos termos do artigo 394, §1º.[4]
Contudo, em relação às hipóteses de absolvição sumária e sua devida fundamentação, a jurisprudência, salvo outro juízo, não fez a melhor interpretação.
Isso porque, a maioria das decisões afirmam que não há necessidade de enfrentamento do mérito na decisão que não absolve sumariamente o acusado, bem como afirmam que não podem se manifestar sobre as causas de rejeição da denúncia (artigo 395 do CPP) nessa fase processual[5], a qual foi superada pelo recebimento da denúncia.
Quanto a não fundamentação da decisão que não absolve sumariamente, ao contrário do entendimento jurisprudencial, deve, sim, ser devidamente fundamentada, como reclama o artigo 93, inciso IX da Constituição Federal. Até mesmo porque, a resposta defensiva só irá assumir seu papel de garantia se o juiz considerar e analisar tudo o que for alegado e apresentado pelo acusado no interesse de sua defesa, o que, consequentemente, exige, para se fazer valer as garantias do acusado, que a decisão proferida pelo Juízo enfrente todas as postulações agitadas na resposta à acusação, por escrito, produzida pela defesa.
Como bem observam Casara e Melchior, “se é certo que nem todos os casos de valoração e motivação da decisão exigem o mesmo esforço, não é menos correto afirmar que em todos eles há de se fazer o necessário para que o acusado tenha claro quais foram às hipóteses de partida relativas ao fato principal e seus desdobramentos integrantes iniciais”[6].
Contudo, não raro, após apresentada a resposta à acusação arguindo preliminares e alegando tudo o que interesse a defesa do acusado, nos termos do art. 396-A do CPP, a decisão do julgador, confirmada pelos Tribunais, é contemplada com a seguinte frase genérica e abstrata: não é caso de absolvição sumária, pois não estão presentes as hipóteses do art. 397 do CPP.
A jurisprudência, uníssona, afirman que não sendo hipótese de absolvição sumária, essa decisão do juízo processante não demanda fundamentação complexa, sob pena de antecipação prematura de um juízo meritório que deve ser realizado naturalmente realizado ao término da instrução criminal.[7]
Ora, a defesa, seja ela prévia ou no curso da instrução, não pode se constituir em um exercício meramente formal - num simulacro -, mas há de ser realizada de forma substancial, material, ampla, como requer a garantia prevista no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Especialmente quando o seu escopo é justamente elidir o próprio curso da ação processual penal.
Neste fio, por força das alterações promovidas pela Lei n. 11.719/08, o rito comum ordinário criou uma nova barreira a ser superada para a sequência da ação processual penal, prevista nos artigos 396-A e 397 do Diploma em apreço, a qual, depois do recebimento da inicial acusatória, tem como objetivo a absolvição sumária do acusado.
Por isso, quando do recebimento da denúncia, o Magistrado deve ter como norte a análise dos pressupostos previstos no artigo 395 do CPP, isto é, deve verificar se a denúncia não é “manifestamente nula” (I), ou não “faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal” (II), ou, ainda, se não “faltar justa causa para o exercício da ação penal” (III); no segundo, a teor do artigo 397 do CPP, deve pronunciar-se sobre “a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato” (I), “a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade” (II), “que o fato narrado evidentemente não constitui crime (III), ou esteja “extinta a punibilidade do agente” (IV).
Como se vê, são diferentes os pressupostos de análise de cada instituto, tendo a mudança na Lei se constituído em claro aumento das garantias defensivas. E se a defesa não pode ser meramente formal, menos ainda pode sê-lo o exercício do poder de julgar.
É por essa razão que o Juiz, após a apresentação da defesa escrita, novamente analisará os autos, verificando, em uma segunda avaliação, mais profunda, a admissibilidade da inicial acusatória.[8] Em outras palavras, após a apresentação da defesa escrita, se nesta restar suscitada, por exemplo, inépcia da denúncia ou falta de justa causa para ação penal – hipóteses descritas no artigo 395 do CPP -, tem o direito de ter sua tese defensiva apreciada e acolhida ou rechaçada fundamentadamente.
Outrossim, devemos observar que o os incisos elencados no artigo 397 do CPP nada mais fazem que reproduzir duas condições da ação: prática de fato aparentemente criminosa e punibilidade. As quais são questões intimamente vinculadas ao mérito, ao elemento objetivo da pretensão acusatória, interessando a defesa, que, via de regra, são elencados depois, na resposta escrita, prevista no artigo 396-A do CPP.[9]
Por certo, é pouco provável que o magistrado tenha elementos para efetuar a análise de existência de causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade, mesmo que patente, quando do oferecimento da exordial acusatória, contudo, se as tiver, deve rejeitá-la. Em contrapartida, após a apresentação da defesa escrita, novos elementos podem ser trazidos aos autos, permitindo essa decisão. Além disto, por serem questões vinculadas ao mérito e que, portanto, geram coisa julgada material, a absolvição sumária é uma decisão adequada para esse fim [10]
Destarte, cumpre referir, que além das hipóteses elencadas no artigo 397 do CPP, na defesa escrita o acusado poderá alegar “tudo o que interesse à sua defesa”, conforme disposto no artigo 396 do CPP. Logo, temos que os incisos do artigo 397 do CPP, devem ser lidos como rol exemplificativo, e não taxativo, pois as teses defensivas podem ser as mais amplas possíveis já nesta fase inicial da ação penal.[11]
[1] GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?) do processo penal: considerações críticas. Editora Lumen Juirs: Rio de Janeiro, 2008, p. 59.
[2] Cumpre referir que o recebimento da exordial acusatória é marco interruptivo da prescrição, nos termos do artigo 117, inciso I, do Código Penal. Assim, dependendo da resposta que se atribua a questão o marco interruptivo dar-se-á antes ou depois da resposta à acusação.
[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Recurso Ordinário em Habeas Corpus, n. 27571/SP. Relatora Ministra Laurita Vaz. Ementa: [...]"De acordo com a melhor doutrina, após a reforma legislativa operada pela Lei n.º 11.719/08, o momento adequado ao recebimento da denúncia é o imediato ao oferecimento da acusação e anterior à apresentação de resposta à acusação, nos termos do art. 396 do Código de Processo Penal, razão pela qual tem-se como este o marco interruptivo prescricional previsto no art. 117, inciso I, do Código Penal para efeitos de contagem do lapso temporal da prescrição da pretensão punitiva estatal." (HC 144.104/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe de 02/08/2010.) [...]. Julgado em 13/11/2012. DJe 23/11/2012.
[4] MENDONÇA. Andrey Borges de. Nova reforma do Código de processo penal: comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2008, p .256.
[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC 060688. Relator Ministro Leopoldo de Arruda Raposo. “[...] Ademais, é cediço nesta Corte Superior de Justiça que "é prescindível o exaustivo e exauriente enfrentamento das teses defensivas por ocasião da resposta preliminar prevista no art. 397, do CPP, bastando, para tanto, ainda que de forma sucinta, a mínima referência aos argumentos expendidas pela defesa, evitando-se, por conseguinte, o prejulgamento da demanda" (RHC 56.166/BA, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 05/05/2015, DJe 15/05/2015), circunstância que afasta a plausibilidade jurídica do pedido. [...]”
[6] CASARA, Rubens R. R.; MELCHIOR, Antônio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. Vol. I: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 338.
[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma. Relator Ministro Rogério Schietti Cruz. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ART. 302, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DA LEI N. 9.503/1997. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. REJEIÇÃO DA DEFESA PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ILEGALIDADE. NÃO EXISTÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme em assinalar que "não sendo a hipótese de absolvição sumária do acusado, a decisão do Juízo processante que recebe a denúncia não demanda fundamentação complexa, sob pena de antecipação prematura de um juízo meritório que deve ser naturalmente realizado ao término da instrução criminal, em estrita observância aos princípios da ampla defesa e do contraditório" (AgRg no AREsp n. 440.087/SC, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª T, DJe de 17/6/2014). 2. A decisão que rejeita a resposta à acusação, apresentada na fase do art. 396-A do Código de Processo Penal, consubstancia mero juízo de admissibilidade da imputação, em que se trabalha com verossimilhança e não com certeza. A motivação do ato decisório neste momento da persecução penal deve, portanto, ater-se à admissibilidade da imputação, de modo a evitar o prematuro julgamento do mérito. 3. Não ocorreu a apontada ilegalidade a ensejar o provimento deste recurso, pois o Juiz de primeiro grau fundamentou, minimamente, a admissibilidade da imputação, ao rejeitar a defesa preliminar, dizendo que, pela natureza meritória, deixava o exame das teses defensivas para momento posterior e oportuno. Embora a defesa tenha feito alusão à "falta de justa causa" e à "atipicidade subjetiva da conduta" - matérias então aventadas -, na verdade, postulou a absolvição sumária e aduziu razões que dizem respeito ao mérito da impetração (que demanda dilação probatória para a formação da convicção), o que foi afastado pelo magistrado. 4. Recurso não provido. RHC 42668. Julgado em 06/08/2015, DJe 26/08/2015
[8] Oshiro, Glaucio Ney Shiroma; O recebimento da denúncia ou queixa na Lei n. 11.719/2008, disponível em http://www1.jus.com.br/Doutrina/texto.asp?id=14687, consulta em 16 de agosto de 2010
[9] LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, vol. I, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 390/392.
[10] LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, vol. I, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 390/392.
[11] Neste sentido, vide decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. 1ª Câmara de Direito Criminal. no julgamento do Habeas Corpus, n. 0143100-96.2012.8.26.0000. Relator Desembargador Márcio Bartoli.
Listão de Fachin: Delações e presunção de inocência.
Por: Klayton Topor
Semana passada, o Ministro Fachin determinou a abertura de inquérito contra vários políticos que têm foro privilegiado no STF e que devem ser investigados e eventualmente processados originariamente naquela Corte. A lista com os nomes, chamada de “Listão do Fachin”, foi divulgada na terça-feira, 11.04.17. Os nomes dos políticos que serão investigados pelo Procurador-geral surgiram em decorrência das delações premiadas de executivos da empreiteira Odebrecht.
Vale lembrar que as pessoas que estão naquela lista serão apenas investigadas. A citação dessas pessoas se deu em acordo de delação premiada, que não é prova. Pelo contrário, é um meio de obtenção de prova, ou seja, é a partir das delações que iniciará uma investigação para apuração de elementos que confirmem a versão do delator e, consequentemente, fundamente uma eventual denúncia. A mera palavra do delator não é suficiente para sequer o STF receber a denúncia. Mais: conforme o art. 4.º, § 16 da Lei 12.850/13, “nenhuma sentença condenatória será proferida com o fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”.
Após a regular tramitação do inquérito e produzida as devidas “provas”, caberá o Procurador-Geral da República denunciar ou não. Recebida a acusação, inicia-se o processo penal. Então de investigados passam a acusados ou réus. Durante o processo haverá a produção de provas (oitivas de testemunhas, juntada de documentos, pericias, acareações etc.) e ao final da instrução o acusado será interrogado e serão apresentadas as manifestações finais da acusação e defesa. Depois disso, haverá a decisão condenatória ou absolutório do julgador – nesse caso dos Ministros. Após a decisão, caso haja interesse das partes, terão oportunidade de interpor recursos adequados.
Contudo, impende destacar duas peculiaridades no presente caso. A primeira, é que se houve determinação de abertura de inquérito contra aquelas pessoas é porque algum indício grave há em desfavor a elas. Isto porque, diferentemente da instauração de inquéritos comuns, em delegacias distritais, que independem de juízo de admissibilidade, para as investigações de Congressistas e Ministros é imprescindível. Portanto, se não estivessem presentes indícios de autoria e materialidade sobre fatos ilícitos o Min. Fachin não autorizaria a abertura de inquérito.
Em segundo, é em relação às manifestações das pessoas que serão investigadas no sentido de desautorizarem a versão dos delatores por falta de credibilidade e por ausência de provas. No entanto, parece que não é vantagem ao delator mentir no acordo de delação premiada, até porque, para usufruir os benefícios estipulados no acordo, sua versão deverá ser ratificada com provas concretas, sob pena de extinção do acordo. Assim, no momento em que Ministério Público e delator firmam o acordo, é porque a versão do delator tem algum suporte probatório.
Apesar das considerações expostas, impende destacar que é somente após a decisão condenatória transitada em julgada – decisão definitiva, que não cabe mais recurso – é que as pessoas poderão ser consideradas culpadas. Até esse momento, todos estão protegidos pelo princípio da presunção de inocência na sua dimensão de dever de tratamento.
Ou seja, não se deve extrair da mera investigação ou acusação efeitos prejudiciais ao investigado/imputado, não se deve equipará-los a condenado. Portanto, todos os cidadãos independentemente de partido Político, de ideologia, classe social, raça, etc. merecem ser tratados como inocentes, como reclama nossa Constituição de 1988, principalmente em fase investigativa, na medida em que se está muito distante de uma decisão – condenatória - definitiva.
Klayton Tópor – Advogado criminalista e Professor de Direito Penal e Processual Penal da Ulbra/Guaíba. Email: topor@toporadvogados.com.br
Artigo escrito em 2018
As medidas cautelares penais no código eleitoral
Por: Klayton Topor
Em outubro do corrente ano, teremos mais um pleito eleitoral e com ele também surgem dúvidas de toda natureza por parte de eleitores e candidatos, principalmente no âmbito jurídico. Uma dúvida recorrente é sobre a possibilidade da aplicação de medidas cautelares penais no âmbito da investigação ou processos que apuram crimes eleitorais.
Nota-se que, nesse ponto, o Código Eleitoral é omisso. Não há nenhuma previsão expressa da possibilidade de aplicação daquelas medidas. Apesar disso, o art. 364, diz que no processo e julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes forem conexos, assim como nos recursos e na execução, que lhes digam respeito, aplicar-se-á, como lei subsidiária ou supletiva, o Código de Processo Penal.
Portanto, diante desse dispositivo legal, o entendimento doutrinário e jurisprudencial é tranquilo em admitir, na investigação ou no processamento especial dos crimes eleitorais, a aplicação de medidas cautelares pessoais - prisão preventiva e medidas cautelares diversas da prisão -, obviamente se preenchidos os pressupostos, requisitos e fundamentos legais de tais medidas.
Por outro lado, questão divergente e interessante é sobre a possibilidade de decretação de prisão temporária durante na investigação de crimes eleitorais. Salvo outro juízo, não nos parece possível. A uma, porque o art. 364 do Código Eleitoral permite apenas aplicação subsidiária do Código de Processo Penal e não da Lei 7.960/89 que disciplina a prisão temporária. A duas, porque a decretação da prisão temporária pressupõe a prática de determinados crimes previstos no rol taxativo do inciso III do art. 1.º da referida Lei, no qual não há previsão de nenhum crime eleitoral previsto nos art. 289 a 354-A do Código Eleitoral.
Ainda no âmbito das cautelares, entende-se perfeitamente possível a aplicação de medidas assecuratórias (arresto, sequestro, hipoteca legal), as quais recaem sobre os bens da pessoa investigada ou processada por crimes eleitorais.
Por fim, impende destacar que o art. 236 do Código Eleitoral, o qual impede que qualquer autoridade possa executar o mandado de prisão preventiva cinco dias antes e até quarenta e oito horas após o encerramento da eleição. Ou seja, ninguém poderá ser preso preventivamente nesse período estabelecido no Código Eleitoral, mesmo que já tenha sido expedido o mandado de prisão cautelar.
Contudo, o dispositivo em comento permite a prisão em flagrante (medida pré-cautelar) a qualquer momento ou a prisão em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável.
Assim, caso haja uma prisão em flagrante naquele período estabelecido pelo art. 236, a pessoa detida deverá ser conduzida a autoridade policial para ser lavrado o auto de prisão em flagrante e, após encaminhado ao judiciário, a autoridade judicial, homologando flagrante, deverá conceder a liberdade provisória ao detido ou fixar, isoladamente ou cumulativamente, as medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do Código de Processo Penal).
Isto porque, o art. 236 do Código Eleitoral é claro e objetivo em vedar as prisões cautelares e não às medidas diversas da prisão.
Com isso, apesar da inexistência de previsão de medidas cautelares de natureza penal no âmbito do Código Eleitoral, tem-se admitido sua aplicação sempre com respeito às particularidades do caso em discussão.